Gustavo Bonfiglioli - O Estado de S. Paulo
O engenheiro químico Marcelio Fonseca, superintendente da empresa Haztec, ajudou a desenvolver tecnologia para transformar cinco tipos de efluentes - resíduos das indústrias têxtil, automobilística e química, mananciais contaminados e chorume - em água de reúso. Atua no mercado de águas há 25 anos.
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Marcelio Fonseca
Desde quando você trabalha com reúso de água? Como começou?
Comecei a investir no reúso em torno de 2000, com projetos na área têxtil. Na época, eu e alguns colegas desenvolvemos um processo de tratamento dos efluentes de malharia, que resultava no fornecimento de água de reúso para a produção do jeans. Desde então, começamos a reaproveitar efluentes de outros setores, tanto de forma direta - quando o próprio resíduo é tratado - como de forma indireta - quando há despejo do efluente em algum manancial para captação à jusante, e posterior reaproveitamento. Também fazemos reúso de chorume no aterro de Nova Iguaçu, onde a água produzida vai para atividades “menos nobres”, como a limpeza de vias, peças e caminhões.
Quais as outras principais aplicações da água de reúso?
Água de resfriamento, água de processos industriais, geração de água de caldeira, rega de jardins, lavagem de pátios, etc. As possibilidades do reúso são infinitas. É evidente que há perdas; o reaproveitamento industrial, por exemplo, nunca conseguirá abastecer toda a fábrica, mas já temos 70% de aproveitamento, e isso é bem significativo.
Qual é a diferença entre o reúso direto e o indireto?
Esse caso da indústria têxtil é um exemplo de reúso direto: você obtém água proveniente do tratamento do próprio efluente que despejaria no meio ambiente. Já no reúso indireto, nós captamos a água de um manancial contaminado, a jusante dos pontos de lançamento dos efluentes. Um exemplo é o trabalho que realizamos com a Bayer, que despeja os resíduos da produção industrial no rio Sarapuí para a nossa posterior captação, 80 metros depois. Nesse ciclo, são captados 60 mil metros cúbicos de água para reúso, que voltam a ser utilizados nos processos industriais da própria Bayer.
O reúso indireto não seria um fator de “acomodação” das empresas a continuar despejando efluentes nos mananciais?
O volume de captação é sempre maior que o despejo industrial, porque existem as perdas por evaporação, por exemplo - não há casos onde há mais despejo do que captação de água. Claro, é impossível garantir que tudo o que você despejou seja e reutilizado, mas é importante entender que os requisitos de lançamento de efluentes impostos pela lei são rigorosos. O que acontece na maioria das vezes é que a água está mais contaminada pelo esgoto doméstico do que propriamente pela atividade industrial.
A água contaminada pode ser tratada até ficar própria para consumo humano?
Pode. As aplicações são ilimitadas, mas o percentual de reaproveitamento está ligado ao requinte de aproveitamento - existem os processos mais difícies e os mais fáceis. Quanto maior o requinte da água, maior a perda e mais caro pode ficar o processo. Mas a tecnologia atual não encontra barreiras para o uso da água. A barreira é psicológica: não se utiliza água de reúso na indústria alimentícia, por exemplo, porque a percepção de que aquela água já foi contaminada pode prejudicar a imagem do produto. Mas essa é uma perspectiva para lugares que sofrem com o risco de escassez, cada caso é um caso. O custo de obtenção da água de reúso é quase sempre inferior ao custo pelo uso da água dos mananciais e do lançamento de efluentes. As tecnologias tendem a cair de preço, os processos vão melhorando em eficiência. O astronauta bebe água que provém da propria urina.
Como o reúso pode virar uma política pública?
Incentivos fiscais às indústrias, para que façam reúso dos próprios efluentes - de preferência do esgoto sanitário, de atividade humana, que é uma excelente matéria prima: ele é fácil de tratar. No futuro, acredito que, se gerados esses incentivos, quem fará a reposição da água da indústria é o esgoto sanitário das estações de tratamento, e a água dos mananciais iria para o consumo humano. E, claro, a gente tem que trabalhar na conservação; exigir do poder público que não aceite despejo nos mananciais.
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